
Na mesma semana do Dia Internacional da Proteção de Dados, uma nova trend entre os usuários do TikTok acendeu os alertas da segurança digital: a venda das íris dos olhos. Através da hashtag #WorldID é possível localizar diversos vídeos de pessoas que registraram o processo de “venda” das íris em troca de prêmios que podem ser trocados por criptomoedas.
A iniciativa faz parte do projeto World ID, desenvolvido pela empresa Tools for Humanity, fundada por Alex Blania e Sam Altman, CEO da OpenAi. O objetivo do programa é criar um sistema de identidade global que impossibilite a replicação de seres humanos por inteligências artificiais, utilizando o escaneamento dos padrões únicos das íris. A premissa do projeto é que cada ser humano possua uma World ID, permitindo a diferenciação entre humanos e inteligências artificiais.
Estima-se que 500 mil pessoas já tenham escaneado as íris em troca de criptomoedas na cidade de São Paulo, segundo a CNN. Participantes relatam que o processo é fácil: basta realizar o agendamento pelo aplicativo e consentir com o termo de privacidade. Na data marcada, o usuário comparece ao local indicado, onde assiste a uma apresentação explicativa. Em seguida, o escaneamento é realizado, e os prêmios são disponibilizados no aplicativo do programa. Esses prêmios, convertidos em criptomoedas, podem variar de R$200 a R$900, dependendo da cotação
Apesar de o programa prometer maior segurança aos seres humanos em um mundo de inteligências artificiais, os riscos de ceder uma identidade biométrica única são muito altos e devem ser levados em conta. Entre os principais problemas estão questões de privacidade, segurança e o uso futuro dessas informações por terceiros.
Privacidade e uso indevido de dados
O padrão da íris cria uma identidade biométrica única, impossível de ser alterada após escaneada. Isso significa que, caso essas informações sejam vazadas, vendidas ou utilizadas indevidamente, é possível perder o controle sobre sua própria identificação. Diferentemente de senhas, não há como “trocar” a íris para proteger a privacidade em caso de comprometimento.
Além disso, embora o programa assegure que os dados coletados serão utilizados apenas para a criação da World ID, não há garantias absolutas de que esses dados não serão repassados para outras empresas ou explorados comercialmente.
Segurança cibernética
Mesmo com sistemas avançados de proteção, bancos de dados contendo informações sensíveis são alvos valiosos para hackers. Um ataque bem-sucedido poderia comprometer milhões de identidades, levando a fraudes, falsificação de identidades e até ao monitoramento indevido de indivíduos.
O uso futuro dessa tecnologia em larga escala também levanta preocupações sobre vigilância em massa. Governos ou organizações poderiam utilizar essas informações para rastrear movimentos, comportamento e interações de pessoas.
Consentimento e falta de clareza
Embora o programa exija a assinatura de um termo de privacidade, foi relatado que a maioria dos usuários não leram ou compreenderam os detalhes do processo. Em algumas unidades foi constatado que funcionários da World ID estavam consentindo os termos no lugar dos participantes. Isso cria um cenário onde as pessoas podem estar renunciando a seus direitos sem plena consciência do impacto a longo prazo.
Questões éticas
Por fim, há o debate ético sobre a criação de sistemas de identificação global. A proposta de uma identidade única e universal pode ser usada para discriminação, controle social e exclusão, principalmente em regiões onde governos ou organizações têm histórico de violações de direitos humanos. Além disso, a atração de participantes utilizando prêmios que podem ser convertidos em dinheiro, o que pode aumentar a vulnerabilidade de populações carentes que enxergam no programa uma oportunidade de obter uma renda extra.
Monitoramento da ANPD
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) declarou que está monitorando as ações da World ID desde novembro de 2024, quando iniciaram sua atuação. Em janeiro de 2025, a autoridade proibiu a empresa de oferecer quaisquer tipos de pagamentos em troca do escaneamento das íris. A Coordenação Geral de Fiscalização da ANPD destacou que o pagamento fere o princípio de livre manifestação do indivíduo de fornecer dados sensíveis. Além disso, foi determinado que a empresa deve seguir regras mais estritas na coleta e processamento dos dados.
Diante desses riscos, é recomendado cautela antes de aderir a programas que envolvam a coleta de dados sensíveis. Entender os termos, avaliar a reputação da empresa e refletir sobre as implicações futuras são passos essenciais para garantir a segurança e proteção de dados em um mundo cada vez mais digital.